[ Liderança ]
Trainee: Quando a arrogância supera o potencial
Adriana Gomes
Psicóloga, pós-graduada em psicologia clínica, mestranda em psicologia Social na UNIMARCO.
Uma das queixas que tenho ouvido com freqüência e chamou minha atenção principalmente, em um Fórum de RH, no qual fui mediadora, diz respeito às atitudes dos jovens trainees. Não foram destaque, nessa ocasião, as competências técnicas, mas ao contrário, a arrogância e a prepotência de muitos deles, diga-se de passagem, muito bem graduados e saídos de escolas de primeira linha.
Esses jovens são tratados e levados a crer que fazem parte de uma elite melhor que o restante da humanidade, que serão os futuros líderes de grandes companhias e, assim tratados, sua conduta é complementar, mas muitas vezes a arrogância supera o talento e seu potencial. Sempre recorro ao dicionário para não cometer injustiças, por esta razão apresento a seguir a definição do Houaiss para arrogância: “qualidade ou caráter de quem, por suposta superioridade moral, social, intelectual ou de comportamento, assume atitude prepotente ou de desprezo com relação aos outros; orgulho ostensivo, altivez”.
Bem, quase nem precisaria continuar esse artigo com tamanha clareza de definição, mas o que me intriga é justamente a reclamação por parte dos líderes organizacionais e dos profissionais de RH que legitimam a situação e depois reclamam das conseqüências. Desde o início dos processos seletivos e a cada etapa eliminatória, são levados a crer que são feitos de matéria diferente dos seus oponentes desclassificados.
Em algumas faculdades, “formadoras de líderes”, esses jovens são levados a desenvolver técnicas, a conhecer fórmulas, realizar análises sobre retorno de investimentos, cenários, macroeconomia, tecnologias de informação, programas e sistemas de gestão e outros que tais, mas poucos são incentivados a desenvolver suas competências comportamentais, que o fazem precariamente nos botecos ao redor das faculdades. Poucos são os que conseguem se dar conta do universo em que estão inseridos ? Brasil ? com suas monstruosas diferenças sócio-econômicas-culturais e pensam que uma multinacional americana, por exemplo, vista como a preferência de 9 entre 10 estudantes universitários é a versão empresarial da Disney.
Depois de arduamente selecionados – sim, pois os processos são verdadeiras maratonas que levam meses – esses jovens recebem tratamento diferenciado. São recebidos com cerimônias e logo começam a gerar problemas de relacionamentos em 360 graus com as lideranças, pares, equipes, pois não entendem – até pela falta de maturidade, de experiência de vida, que o mundo não termina no seu umbigo; que as pessoas não existem apenas para servi-los; que o mundo é muito maior do que a escola que freqüentaram e que o mundinho asséptico e higiênico em que foram criados.
Demanda tempo capacitar as pessoas em relação ao respeito às diferenças, a mesma capacidade que leva grandes times à conquista de belos resultados. Mas esses jovens têm alguma dificuldade para lidar com essas diferenças e para perceber que a situação está mais para uma Torre de Babel do que para o tal alinhamento de idéias e valores tão amplamente divulgado. As pessoas são diferentes, falam diferente, têm valores diferentes e que não basta apenas a aplicação de fórmulas e conceitos, nem análise do ROE, senão que o maior investimento deve ser em conhecer as pessoas com quem se trabalha, ser e demonstrar-se humilde, estar aberto ao aprendizado, pois foi para isso que foram selecionados.
Devem estar dispostos a conhecer o universo alheio, pois a formação acadêmica por si, não contempla muitas vezes, ainda, outros saberes e tão pouco supera as experiências que só virão com os erros que certamente acontecerão. Até a frustração com as expectativas serve como aprendizado e para que a pseudo-superioridade caia por terra. É preciso ensinar aos jovens que errar faz parte do jogo, que não se ganha todas, mas que muitas vezes se aprende muito mais perdendo do que vencendo.
Fica um alerta aos profissionais que se envolvem com o processo de formação desses jovens trainees, e incluo nessa lista os professores de graduação, os profissionais de RH e até os pais, no seu importantíssimo papel de PAIS e orientadores de valores e atitudes que devem ser. Muitos pais, a exemplo dos noticiários escandalosos de jornais, legitimam e inflam o ego dos seus filhos planejando um futuro brilhante para sua prole e esquecem de olhar o presente, esquecem de ver o que acontece hoje ao seu redor.
Se quisermos um futuro com líderes mais conscientes, com maior capacidade para lidar com as diferenças – não por ser mais um modismo, mas simplesmente porque o mundo em que vivemos é constituído pelas diferenças e que sabendo lidar com elas se vive melhor – é preciso educar e orientar para assim, quem sabe, nos livrarmos dos ditadores que pregam uma falsa igualdade visando apenas interesses próprios. Desta maneira, acredito que o produto final de alguns bem-intencionados Programas de Trainees possa ser a formação de líderes responsáveis em desenvolver seu potencial para agir positivamente na sociedade e inspirar seus colaboradores a demonstrar o melhor que o ser humano tem a oferecer.
Publicado em 07/04/2008 no www.RH.com.br.
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